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Justiça suspende bloqueio de verbas da Santa Casa de Pedro Osório

Por Rodrigo Netto
05/08/2021 16:47
Atualizado em 18/08/2021 23:43
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Nesta quinta-feira (05), o Juiz de Direito em substituição da Comarca de Pedro Osório, Dr. Marcelo Malizia Cabral, determinou a suspensão dos atos de constrição de valores da Santa Casa de Pedro Osório.

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Nesta quinta-feira (05), o Juiz de Direito em substituição da Comarca de Pedro Osório, Dr. Marcelo Malizia Cabral, determinou a suspensão dos atos de constrição de valores da Santa Casa de Pedro Osório.

Na ação judicial, a União pretende o pagamento a dívida contraída pela Instituição. Por sua vez, a Santa Casa solicitou a suspensão dos atos processuais em função da Pandemia de SARS-CoV-2.

Determinando a suspensão de bloqueios de valores em contas correntes da Santa Casa de Pedro Osório durante um período de 180 dias, a decisão do Magistrado afirma que pretende garantir assim a estabilidade financeira do Hospital e a continuidade dos serviços, especialmente no tratamento de pacientes com COVID-19.


De acordo com Malizia, “incumbe a todos os poderes do Estado a adoção de medidas de efeito imediato para garantir a capacidade operacional dos hospitais submetidos ao Sistema Único de Saúde e evitar um colapso que gere consequências desastrosas à população”.


Na decisão, o Juiz ainda refere que "a Santa Casa de Misericórdia de Pedro Osório é um hospital de pequeno porte, contudo, fundamental para as comunidades de Pedro Osório e Cerrito, especialmente em razão do cenário pandêmico que se atravessa", bem como destaca a prevalência do princípio da dignidade da pessoa humana e do direito à vida e à saúde sobre o interesse patrimonial dos credores do nosocômio.


Confira a íntegra da decisão.


"Trata-se de pedido formulado pela Santa Casa de Misericórdia de Pedro Osório requerendo a suspensão de constrições judiciais ante o estado de calamidade pública decretado em razão da pandemia da Covid-19.


Para tanto, repisou que a entidade é “de caráter filantrópico e possui certificação de entidade de utilidade pública, pois dedica-se em sua quase totalidade à demanda do SUS, e padece pela falta de recursos financeiros (que são repassados pelos órgãos públicos em atraso ou simplesmente não são repassados para sua manutenção e cumprimento de obrigações fiscais” e que “sua estrutura é de pequeno porte, dedicando-se, ainda, ao Programa de Saúde Mental de Pedro Osório e Cerrito que atua em conjunto com os Centros de Referência Psicossocial de ambos os municípios, mantendo o tratamento ambulatorial de dependentes químicos, alcoólatras e demais pacientes psiquiátricos encaminhados pelo Sistema Único de Saúde”, conforme sentença proferida na ação n. 115/1.15.0000453-3.


No mais, reportou-se a decisão judicial proferida por este Magistrado em caso análogo, ocorrido na Comarca de Pelotas.


De ser acolhido o pleito do nosocômio.


Em 20 de março de 2020 foi publicado o Decreto-Legislativo nº 6, reconhecendo a ocorrência do estado de calamidade pública e objetivando a instituição de providências para acompanhamento da pandemia no Brasil. Posteriormente, em âmbito interno, os Estados-membros passaram a adotar modelos de distanciamento social controlado e planos de contingência hospitalar.


No mês de fevereiro do corrente ano, a Secretaria de Saúde do Estado do Rio Grande do Sul apresentou a versão 14 do plano de contingência hospitalar1, estabelecendo que todos hospitais do Estado do Rio Grande do Sul como hospitais de retaguarda para Covid-19.


Com efeito, a Santa Casa de Misericórdia de Pedro Osório é um hospital de pequeno porte, contudo, fundamental para as comunidades de Pedro Osório e Cerrito, especialmente em razão do cenário pandêmico que se atravessa.


A manutenção dos bloqueios de ativos financeiros do nosocômio pode desencadear o seu colapso financeiro e, por corolário lógico, grande impacto na saúde da sociedade pedro-osoriense e cerritense, podendo ocasionar, inclusive, o fechamento total do estabelecimento hospitalar.


Sabidamente, a saúde integra o rol de direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição Federal de 1988, especificamente no rol de direitos sociais trazido no art. 6º.


De igual modo, consideram-se princípios constitucionais processuais a inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, inciso XXXV), o devido processo legal e duração razoável do processo (art. 5º, inciso LXXVIII). Cito tais dispositivos para lembrar que o credor tem o direito de ver satisfeito seu crédito em tempo razoável, devendo o juízo delimitar as medidas constritivas conforme a lide.


No caso em comento deverá ser sopesado o direito do credor em ter seu crédito satisfeito, interesse meramente patrimonial, e o direito coletivo à saúde pública.


De ser destacado que não existe direito fundamental absoluto, todavia possível a ponderação entre os valores normativos quando existente colisão aparente de direitos fundamentais.


Nesse sentido, colaciono entendimento do Superior Tribunal de Justiça acerca da ponderação entre o direito à saúde e o interesse patrimonial:

RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. PAGAMENTO DE PRECATÓRIO PREFERENCIAL. ART. 100, § 2o., DA CF/88.

PAGAMENTO DE MAIS DE UM CRÉDITO PREFERENCIAL A UM SÓ CREDOR DENTRO DO MESMO EXERCÍCIO ORÇAMENTÁRIO.

POSSIBILIDADE. LIMITE DE TRÊS VEZES DO VALOR DA RPV INCIDENTE SOBRE CADA PRECATÓRIO.


PREVALÊNCIA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DO DIREITO À VIDA E À SAÚDE SOBRE O INTERESSE PATRIMONIAL. RECURSO ORDINÁRIO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.


1. O § 2o. do art. 100 da CF/88 delimita dois requisitos para o pagamento preferencial nele previsto, quais sejam: (a) ser o débito de natureza alimentícia; e (b) ser o titular do crédito maior de 60 (sessenta) anos de idade, na data de expedição do precatório, ou portador de doença grave.


2. Estabelece, também, que o limitador quantitativo do pagamento com preferência seria o valor equivalente ao triplo do fixado para a RPV, não esclarecendo se esse incidiria sobre cada precatório ou sobre a totalidade de créditos de um mesmo particular.


3. O crédito de natureza alimentícia é indispensável para a subsistência do titular, tendo fundamento no princípio da dignidade da pessoa humana e visando à proteção de bens jurídicos da mais alta relevância, tais como a vida e a saúde.


4. A norma constitucional não elencou a impossibilidade de o beneficiário participar na listagem de credor preferencial por mais de uma vez no mesmo exercício financeiro, perante um mesmo Ente Político, não podendo, portanto, o exegeta restringir tal possibilidade.


5. O STF, no julgamento das ADIs 4.357 e 4.425, modulou os efeitos da declaração de inconstitucionalidade quanto ao regime de pagamento de precatórios para 5 (cinco) anos a partir do exercício financeiro a ser iniciado em 1o/1/2016, razão pela qual a inconstitucionalidade reconhecida pela Suprema Corte não reflete no presente caso.


6. Ademais, verifica-se que não há norma estadual ou ato normativo do Tribunal de Justiça local que imponha a limitação pretendida pelo recorrente, e ainda que houvesse, não prevaleceria, porquanto eventual disposição nesse sentido é de competência da União, nos termos do art. 22, XVII da CF/88.


7. Recurso Ordinário em Mandado de Segurança do Estado de Rondônia a que se nega provimento.
(RMS 46.155/RO, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 22/09/2015, DJe 29/09/2015) (grifei)

A República Federativa do Brasil tem entre seus fundamentos a dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III, da CF), superprincípio constitucional do qual irradiam os demais, como o direito à vida e à saúde.


Além disso, a Constituição Federal consagrou a saúde como direito de todos e dever do Estado, garantindo sua universalidade e igualdade no acesso às ações e serviços de saúde (arts. 196 e 197).


Considerando o atual estado de calamidade pública e a adoção de medidas mais restritivas no combate ao Coronavírus, entendo que a manutenção de constrições visando unicamente satisfazer o crédito do autor do presente feito será capaz de gerar dano coletivo que poderá ser irreparável.


Nessa linha, destaco que incumbe a todos os poderes do Estado a adoção de medidas de efeito imediato para garantir a capacidade operacional dos hospitais submetidos ao Sistema Único de Saúde e evitar um colapso que gere consequências desastrosas à população.


Assim, a suspensão de medidas constritivas garantirá liquidez ao hospital durante o período de exceção gerado pela pandemia.


DIANTE DO EXPOSTO, determino a suspensão de atos processuais que impliquem na constrição de valores pelo prazo de 180 dias visando garantir a higidez financeira do hospital requerido.".