Entrevista com Marcelo Freitas Gil
Pedrosoriense representará o IFSul em Lisboa, Portugal
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Licenciado em História (1999), Bacharel em Direito (2005), Mestre em Ciências Sociais (2008) e Doutor em Educação (2014) pela UFPel.
Professor do Curso Superior Tecnológico em Gestão de Cooperativas do Campus Visconde da Graça do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-rio-grandense (IFSul).
Presidente da Sociedade Espírita Fé, Esperança e Caridade, em Pedro Osório.
1) Quando surgiu o interesse de pesquisar sobre a história do espiritismo?
Surgiu quando eu fui cursar o Mestrado em Ciências Sociais, na Universidade Federal de Pelotas. Para ingressar no Mestrado precisamos apresentar um pré-projeto de pesquisa, que é avaliado por uma comissão de professores. Foi então que tive a ideia de pesquisar sobre a doutrina espírita em Pelotas. Os dados do censo do ano 2000 haviam mostrado que Pelotas tem um grande número de pessoas que se declara espírita. Segundo o IBGE, no recenseamento do ano 2000 apenas 2,14% da população gaúcha se assumiu espírita, enquanto que a média brasileira ficou em 1,38%. Em Pelotas o número foi de 5,86%. Ou seja, bem acima da média brasileira e gaúcha.
Resolvi então investigar isso e procurar compreender o que fez de Pelotas uma cidade com um número tão grande de pessoas que se declara espírita. Este foi o tema que pesquisei no meu Mestrado, concluído em 2008.
2) E qual foi a conclusão da pesquisa? Pelotas tem mesmo um número maior de espíritas que outras cidades do Brasil?
Eu acredito que Pelotas não tem realmente um número maior de espíritas. Acontece que em Pelotas as pessoas se sentem mais à vontade para declarar a sua adesão ao espiritismo. Sabemos que no Brasil o catolicismo tem um peso muito grande, em razão da nossa colonização, e ocupa uma posição destacada na nossa cultura. Assim, a tendência das pessoas é responder ao censo que são católicas. Isso acontece mesmo entre os espíritas.
Em Pelotas o espiritismo chegou muito cedo, por volta de 1877, pouco depois de ter penetrado em cidades como Rio de Janeiro e Salvador, onde chegou na década de 1860. Considerando que Allan Kardec publicou O Livro dos Espíritos em 1857, para os padrões da época isso é considerado cedo. Naquela época Pelotas estava vivendo o seu apogeu econômico e cultural. A doutrina espírita, uma novidade trazida da França, país que na época ditava a moda e os costumes, foi muito bem acolhida na cidade. Logo em seguida os maçons pelotenses, que estavam empenhados em uma campanha contra a Igreja Católica e principalmente contra o ensino católico, passaram a apoiar o espiritismo, divulgando a doutrina na cidade. Nas décadas seguintes os espíritas pelotenses passaram a atuar em várias frentes importantes ao mesmo tempo: em 1901 fundaram a Sociedade União e Instrução Espírita, atualmente uma das mais antigas do país, fundaram o Colégio União Espírita de Pelotas em 1907, uma das primeiras escolas espíritas do mundo, depois reorganizada com o nome de Escola Assistencial Espírita Jeremias Fróes, até hoje existente, organizaram uma orfanato para meninas, instituição que ainda hoje existe e acolhe crianças carentes com o nome de Sociedade Espírita Assistencial Dona Conceição, fundaram um hospital psiquiátrico na década de 1950, que é um dos poucos existentes em nossa região. Enfim, tudo isso contribuiu para que o espiritismo se legitimasse em Pelotas e ganhasse reconhecimento. Atualmente, quem é espírita na cidade se sente à vontade para reconhecer isso e declarar a sua religião no recenseamento. Temos casos de cidades em que existem centros espíritas, mas em que toda a população se declarou católica em censos do IBGE. Portanto, acredito que esse elevado número de pessoas que se declara espírita na cidade é um resultado de tudo isso.
3) E esses números se repetiram no censo de 2010?
Sim, na verdade isso vem sendo constante em Pelotas há muitos anos. O cronista pelotense Alberto Coelho da Cunha, que viveu entre o fim do século XIX e início do século XX, em seus escritos já chama a atenção para o número de espíritas na cidade no censo de 1911. No recenseamento de 2010 um percentual de 8,76% da população pelotense se declarou espírita, enquanto que no Rio Grande do Sul o número ficou em 3,21% e no Brasil a média foi de 2,0%.
4) E em Pedro Osório, qual foi o percentual?
Em Pedro Osório o número também é expressivo, e ficou em 7,17%, bem acima das médias nacional e do estado. Temos dois centros espíritas na cidade e a divulgação da doutrina também tem feito com que o espiritismo ganhe legitimidade em Pedro Osório, de maneira que os seus seguidores se sentem à vontade para declarar isso publicamente.
5) Os resultados dessa pesquisa de Mestrado foram publicados?
Sim, a minha dissertação de Mestrado, chamada ‘O Movimento Espírita Pelotense e suas raízes sócio-históricas e culturais’, foi publicada na forma de um livro, com o mesmo título. Doei os direitos autorais e a renda da venda do livro reverte para a Liga Espírita Pelotense (LEP). O livro pode ser adquirido na livraria da LEP, na Rua Andrade Neves, 981, em Pelotas. Também temos exemplares nas bibliotecas públicas de Pedro Osório e de Pelotas, além da biblioteca da UFPel.
6) E no Doutorado, qual foi o seu tema de pesquisa?
No Doutorado em Educação, na linha de Filosofia e História da Educação, pesquisei sobre o programa de estudo doutrinário espírita chamado ‘Estudo Sistematizado da Doutrina Espírita’ (ESDE). Esse programa surgiu na década de 1970 na Federação Espírita do Rio Grande do Sul (FERGS) e foi adotado pela Federação Espírita Brasileira (FEB) em 1983.
Trata-se de um programa de estudo doutrinário espírita que tem, inclusive, material didático e toda uma série de conteúdos que são estudados ao longo de três anos. Quando o centro espírita adota esse programa ele se transforma em uma verdadeira escola, onde a doutrina espírita é estudada pelas pessoas que se matriculam e realizam o curso. Portanto, na minha pesquisa eu não analiso o centro espírita como um ambiente religioso, de culto, e sim como um espaço educacional. É a primeira vez que isso foi feito em uma pesquisa na área das Ciências Humanas.
O ESDE existe como um programa de estudo doutrinário permanente da Federação Espírita Brasileira desde 1983. São milhares de centros espíritas no país inteiro que adotam esse programa, que tem um material didático extremamente rico. Atualmente se calcula que dezenas de milhares de pessoas estudam o espiritismo através do ESDE e isso nunca havia sido pesquisado antes. Somente na Comunhão Espírita de Brasília, maior centro espírita da capital federal, onde estive pesquisando em novembro de 2013, são dois mil alunos matriculados no ESDE. O diretor do programa daquele centro espírita me informou que as vagas teriam de ser aumentadas para cinco mil, a fim de atender a todas as pessoas que procuram pelo ESDE.
7) A tese já está disponível para leitura?
Defendi a tese diante da banca em agosto deste ano e há poucos dias entreguei a versão final do texto, que rendeu mais de 590 páginas. Como não havia nada pesquisado ainda a esse respeito, tive de escrever muito. Em breve o texto já estará disponível para download no site da biblioteca da UFPel. Também já estou negociando com uma editora a publicação da tese, o que deve acontecer no próximo ano.
8) Qual o objetivo da sua ida a Portugal neste mês de dezembro?
Vou por dois motivos. Primeiro irei apresentar um trabalho de pesquisa em um congresso científico promovido pela Universidade de Lisboa. Desenvolvi essa pesquisa juntamente com a Professora Giana Lange do Amaral, que foi minha orientadora do Doutorado. O Trabalho é sobre a influência do espiritismo e da maçonaria no campo educacional de Pelotas no início do século XX. Em 1903 os maçons de Pelotas fundaram o Ginásio Pelotense, depois municipalizado e transformado no Colégio Municipal Pelotense. Pouco depois, em 1907, os espíritas fundaram o Colégio União Espírita de Pelotas. Essa duas ações foram muito importantes na cidade e se explicam pelo fato de que naquela época o sistema de ensino era praticamente dominado pela Igreja Católica. Tanto maçons como espíritas se opuseram a isso.
Também vou representar o IFSul, onde trabalho, em um intercâmbio junto ao Curso Superior de Gestão da Universidade de Lisboa. Nossa intenção é estabelecermos um laço com essa instituição de ensino de Portugal, para que professores de lá também possam vir lecionar aqui e para que possamos enviar nossos alunos para estágios de aprendizagem em Lisboa. Estou indo para iniciarmos o processo de aproximação entre o IFSul e a Universidade de Lisboa. Para isso vou apresentar uma curso rápido sobre Pelotas, o IFSul e o Campus Visconde da Graça para os alunos e professores daquela universidade, que é uma das mais importantes da Europa.