Geral

Donos do dinheiro

Por Lennon Carrion
10/10/2007 13:25
Atualizado em 19/09/2017 14:40
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Nos primeiros dias de cada mês, quando o dinheiro das aposentadorias e pensões pinga nas agências bancárias de Pedro Osório, a Rua Presidente Vargas, a principal do município, entra em efervescência. Elmo Peter Hirdes, 71 anos, abarrota a bolsa com biscoitos amanteigados produzidos em casa pela mulher e percorre a via de ponta a ponta, oferecendo a R$ 2,50 o pacote de doces.

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A nova velhice

Nos primeiros dias de cada mês, quando o dinheiro das aposentadorias e pensões pinga nas agências bancárias de Pedro Osório, a Rua Presidente Vargas, a principal do município, entra em efervescência. Elmo Peter Hirdes, 71 anos, abarrota a bolsa com biscoitos amanteigados produzidos em casa pela mulher e percorre a via de ponta a ponta, oferecendo a R$ 2,50 o pacote de doces.

Como todo mundo na cidade, ele sabe que tem até o dia 10 para faturar. Em uma comunidade onde a renda de quem já se aposentou governa a economia, o idoso duplica no período de pagamento dos benefícios os R$ 401 que recebe da Previdência Social. Um levantamento realizado pelo pesquisador da Fundação de Economia e Estatística Lívio Luiz Soares de Oliveira a pedido de Zero Hora traduz em números a razão de Hirdes vender mais biscoito no período de pagamento dos inativos: no Estado, Pedro Osório é o município onde aposentadorias e pensões respondem pela fatia mais farta do bolo das riquezas. Mesmo ignorando dados de outros institutos e considerando apenas os recursos pagos pelo INSS, a Previdência representa 27% do PIB local.

A cidade de 8 mil habitantes é um caso extremo devido ao percentual de idosos bem acima da média nacional (13,8%), mas aponta para onde pode levar o processo de envelhecimento da população brasileira e ilustra o poderio econômico que vem sendo granjeado pelos idosos. No ano passado, segundo um cruzamento de dados feito por ZH, as aposentadorias e pensões pagas pelo INSS e pelo Estado somaram R$ 15,9 bilhões no Rio Grande do Sul - o equivalente a 10,2% da riqueza produzida pelos gaúchos.

Um estudo mais amplo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) apontou que a soma das aposentadorias e pensões dos setores público e privado corresponde a 12% do PIB brasileiro.

Como conseqüência, quando bate de porta em porta na Rua Presidente Vargas oferecendo biscoitos, Hirdes passa em revista a força econômica e política do município. Em cerca de 300 metros da via, os idosos de Pedro Osório converteram seu possante capital previdenciário em investimentos, dominando o comércio e a produção e tornando ainda mais vultosa a sua participação nas finanças locais.

Eles administram a maior parte das lojas da rua (veja ilustração), como a Farmácia Santa Gema(1), onde, em uma tarde do mês passado, Hirdes arrecadou R$ 2,50 com os proprietários, Dezembrino Coelho, 64 anos, e sua mulher, Terezinha, 65 anos. O casal percebeu que a população envelhecida oferecia perspectivas de prosperidade para quem investisse na venda de remédios.

- Sempre atuei como empregado em farmácias e laboratórios. Só fui virar empreendedor depois de aposentado. Nunca trabalhei tanto - relata Coelho.

Junto à farmácia reside o poder agropecuário do município, também exercido por um idoso. Aos 81 anos, com R$ 1,8 mil de aposentadoria sua e outros R$ 2 mil da mulher, Etéreo Souza mora em uma das casas mais imponentes do Centro(2), mas mantém nas mãos as rédeas da Estância São Luiz, dedicada à lavoura e à pecuária.

- Hoje de manhã, já fui duas vezes à fazenda para ver os negócios - orgulha-se.

Do outro lado da rua, é o poder político de Pedro Osório, a prefeitura(3), que está sob o comando de um aposentado. Em segundo mandato, o prefeito Moacir Alves, 58 anos, detectou quem manda na cidade e já propõe adotar idosos como plataforma política.

- Quero fomentar nossa economia transformando Pedro Osório no paraíso dos aposentados, já que temos uma população de terceira idade numerosa - propagandeia.

Proprietário, com a mulher, da principal opção gastronômica do município, o Restaurante Tio Willy(4), o também retirado Dagoberto Soares, 54 anos, exemplifica uma das razões para o fato de os idosos ocuparem os postos-chave na economia. Dos três filhos que teve com Cleida, 53 anos, dois se mudaram para centros urbanos.

- Os jovens vão embora em busca de oportunidades, e nós ficamos - observa.

A mudança demográfica e a passagem do dinheiro para mãos mais enrugadas não escaparam ao faro para negócios da comerciante Ondina Direne Alam, 73 anos. Ela adaptou o estoque da sua loja, a A. Marilen(5), ao nicho mais promissor da cidade:

- Agora, ofereço mais variedade em moda para senhoras, que vende melhor.

Mesmo quando os filhos permanecem na cidade, os idosos continuam no comando. O último censo do IBGE identificou que 68% das pessoas com mais de 60 anos são chefes de família em Pedro Osório. Desses, quase metade tem filhos em casa, 90% deles adultos. Donos da papelaria Shalom(6), os aposentados Gilberto e Neida Moraes sustentam a filha doente Denise, 44 anos. O casal atribui a três grandes enchentes o fato de Pedro Osório ter envelhecido tanto.

- A última veio para liquidar. Reconstruir tudo era tão trabalhoso que quem pôde foi embora - conta Neida.

Desde então, cabe aos idosos a tarefa de reerguer Pedro Osório.

( itamar.melo@zerohora.com.br )

( silvia.lisboa@zerohora.com.br )

ITAMAR MELO E SÍLVIA LISBOA

A nova velhice

Os idosos brasileiros não cresceram só em número. Também aumentaram seu peso econômico. Com as aposentadorias já representando um décimo do PIB e uma parcela expressiva de idosos ainda trabalhando, multiplicaram-se os lares sustentados não por um pai e uma mãe, e sim por avôs e avós.

Em municípios como Pedro Osório, na Zona Sul, a renda de quem se reformou já governa a economia. Na segunda reportagem da série A Nova Velhice, que começou ontem e segue até o sábado, Zero Hora mostra como o novo status econômico da terceira idade está transformando a vida nos municípios e em cada lar.

Série Especial publicada no Jornal Zero Hora no dia 24 de setembro.